Simão Sabrosa volta esta terça-feira a
entrar no Estádio da Luz, onde jogou durante seis anos, mas será a
primeira vez que o faz como adversário do Benfica. Em entrevista A BOLA,
aqui publicada na íntegra, o agora vice-capitão do Atlético de Madrid
(«com muito orgulho e honra») fala um pouco de tudo. De convicções e
emoções. De saudades e paixões. E de alguns segredos.
Dois anos de Liga espanhola, dois quartos lugares. Expectativas para este ano?
-
Mantenho a expectativa que já tinha para a última época, porque já
devíamos ter terminado a Liga no 3.º lugar. Pela equipa que temos, pelo
grande esforço que o clube fez para ter um grupo tão forte, pelo que
jogámos em boa parte do campeonato, devíamos ter ficado em 3.º e não
terminado em 4.º, com aquele sofrimento todo para nos qualificarmos para
o play-off da Liga dos Campeões, numa guerra com o Valência e com o Villarreal, por exemplo, que acabaram de fora.Conseguir
o acesso directo para a Liga dos Campeões é o grande objectivo. Em
Portugal estava habituado a jogar para ser campeão, mas agora, no actual
momento do Atlético de Madrid, o grande objectivo tem de ser entrar
directo na Liga dos Campeões, a grande competição europeia de clubes e a
prova na qual todos os jogadores querem estar.
Quer dizer que o Atlético não pode ambicionar mais na Liga espanhola?
-
Não, não quer dizer isso, porque se o clube continuar com esta aposta, a
trabalhar como está a trabalhar, mantendo a base da equipa, que é o
mais importante em todos os clubes, dentro de dois/três anos pode
perfeitamente estar a lutar pelo título. Mas neste momento o Barcelona
tem uma vantagem considerável sobre os adversários, porque tem uma
equipa formada, com muitos jovens que cresceram no clube, e um futebol
fantástico. O Real Madrid, por seu lado, está a querer reconstruir uma
grande equipa e vamos ver o que vai conseguir fazer já este ano. Seja
como for, o Atlético deve ambicionar tudo, com a noção de que o seu
objectivo principal é, no imediato, entrar na Liga dos Campeões.
O Atlético é mesmo a terceira melhor equipa de Espanha?
-
O futebol espanhol tem seis/sete equipas que lutam de uma forma muito
equilibrada pelos lugares do topo. Se repararmos, o Valência foi campeão
espanhol há sensivelmente cinco anos e não entrou agora na Liga dos
Campeões; o próprio Villarreal, que apostou forte nos últimos
três/quatro anos, e chegou a atingir quartos de final da Liga dos
Campeões, ficou agora de fora. Quer dizer que o futebol espanhol tem um
nível alto de competitividade, com as tais seis/sete equipas
permanentemente envolvidas na luta pela entrada na maior prova do
futebol europeu de clubes.
É isso que faz da Liga espanhola uma das melhores?
-
Se não é a melhor é pelo menos uma das duas melhores, a par da Liga
inglesa, porque é muito competitiva, quase sempre imprevisível, apesar
de na última época se ter tornado realmente mais provável que o
Barcelona fosse campeão. Mas ainda assim julgo que nem o próprio
Barcelona acreditava que viesse, como veio, a conquistar o chamado
triplete, campeonato e taça em Espanha, e a Liga dos Campeões.
O que falta, de essencial, ao Atlético de Madrid para ir mais longe?
-
Para conseguirmos lutar pelo 2º ou 3.º lugar temos de manter um nível
de jogo muito elevado. O Atlético de Madrid ainda é uma equipa
irregular, que anda em muitos altos e baixos, que vai do 8 ao 80 e
vice-versa. Sabemos que já não há grande diferença, hoje em dia, entre a
maioria das equipas. Em todas elas se trabalha bem, os treinadores são
bons, os jogadores também, e portanto a competição aumenta e o nível é
cada vez mais equilibrado. Além disso, em Espanha não há muito aquele
tipo de jogo mais defensivo, com equipas que e fecham muito quando
defrontam os adversários teoricamente mais fortes. Não. Aqui todos
discutem o jogo, todos discutem a vitória, e o jogo é mais aberto, todas
as equipas trabalham muito tacticamente e sabemos como a táctica é
muito importante no futebol.
Mas qual é o pior defeito da equipa?
-
A irregularidade. Em Dezembro de 2008, por exemplo, ali por altura do
Natal, estávamos à frente do Real Madrid, no 3.º lugar (ou melhor, até
éramos segundos antes do jogo em atraso com o Sevilha, mas o Sevilha
ganhou e passou para a nossa frente). Depois veio Janeiro, um mês no
qual tivemos uma fase negra, muito difícil de explicar. Não ganhámos um
único jogo. Sentimos muita dificuldade em recuperar no mês de Fevereiro e
até final da época foi sempre a sofrer. Conversámos muito dentro da
equipa mas a verdade é que não conseguíamos explicar o que se passava. E
ainda hoje temos dificuldade em perceber porque fazíamos um jogo muito
bom e logo outro muito mau.
Resta-nos
trabalhar para que isso não se repita. Temos de ser mais regulares, de
acordo com o próprio nível da equipa e dos jogadores que estão neste
clube. É fundamental, por exemplo, que nos piores dias a equipa não faça
um jogo mau, como chegou a acontecer a épica passado, e consiga ganhar
mesmo jogando menos bem. É muito importante ganhar quando se joga menos
bem.
Foi importante para o Atlético mudar de treinador, trocando Javier Aguirre por Abel Resino, um homem da casa?
-
Para a equipa acabou por ser. Até porque alguns jogadores, não digo que
estivessem acomodados, mas precisavam de um abanão. Mudar de treinador
provoca muitas vezes esse tipo de reacção numa equipa, cria-se uma
espécie de primeiro momento, alguns parecem começar do zero, e quando
isso acontece a equipa acaba por beneficiar desse abanão. No caso do
Atlético de Madrid, a mudança de treinador espevitou a equipa.
Abel Resino é uma velha figura do clube, é um antigo guarda-redes do
Atlético de Madrid. Isso faz-se notar de algum modo particular?
-
É sempre importante quando o treinador conhece a casa, conhece o clube,
sabe como ele funciona e como as pessoas reagem à sua volta. O nosso
treinador conhece, por exemplo, a mentalidade dos adeptos, sabe como
vamos ser recebidos nesta ou naquela circunstância, e como eles se
comportam.
Tivemos jogos
muito complicados, e às vezes nem mesmo ganhando tínhamos os adeptos do
nosso lado. Nesses momentos, é importante que o treinador saiba como
falar-lhes e como levar-nos a entender determinadas circunstâncias.
Os
adeptos do Atlético são exigentes mas fiéis. O clube passou por
momentos de grandes dificuldades, desceu mesmo de divisão, e os adeptos
não deixaram de estar próximos da equipa e continuaram a encher sempre o
estádio. Por aqui, diz-se mesmo que não é qualquer um que é adepto do
Atlético de Madrid, é preciso ter um sentimento especial e um coração
forte.
Após seis anos de Benfica, tendo sido uma das primeiras figuras do
clube, capitão de equipa, jogador querido da massa associativa,
habituado a ser decisivo na Luz, está arrependendo de ter saído? São
muitas as saudades?
- Nunca
devemos arrepender-nos destas decisões. Claro que existe aquela saudade.
Foram seis anos muito bons, nos quais consegui mostrar realmente o meu
valor. Estive muito anos no Sporting na fase de formação, apenas dois
anos como profissional, e por isso foi no Benfica que vivi a minha
grande afirmação como profissional de futebol.
Tive
momentos muito bons e alguns momentos maus, como todos os
profissionais, mas os momentos bons que tive no Benfica foram
excepcionais, ajudaram-me a crescer e a tornar-me melhor jogador. O
facto de ter sido capitão muito jovem também foi muito importante para o
meu crescimento. Tenho a certeza de ter conquistado as pessoas do
Benfica.
Como recorda hoje os primeiros tempos no Benfica?
-
Não foram fáceis. Recordo perfeitamente que nos primeiros seis meses
senti dificuldades, de vária ordem, e custou-me um bocadinho voltar a
adaptar-me ao futebol português. Digo isso porque no primeiro ano no
Barcelona, o treinador Van Gaal quis mudar a minha forma de jogar. Eu
era um jovem que pegava na bola e gostava era de ir num um contra um,
estava naquela idade de querer fintar, e quando cheguei ao Barcelona Van
Gaal quase me obrigou a jogar sempre a dois toques.
Nesse
ano, no Barcelona foi muito difícil adaptar-me a essa nova forma de
jogar. Mais tarde, quando fui para o Benfica, voltei a viver um período
de transição, porque no Benfica me davam de novo liberdade para fazer o
que eu achasse que deveria fazer, liberdade que me foi concedida por
Toni e Jesualdo Ferreira, a equipa técnica da altura. Claro que me senti
bem com isso, mas era preciso readaptar-me. Depois, quando marquei o
meu primeiro golo, e, Faro, se não me engano, senti que estava no bom
caminho e daí para a frente ganhei confiança e tudo foi mais fácil.
Mas até que ponto foi Van Gaal importante na sua evolução como jogador?
-
Muito importante. Devemos tirar sempre o melhor que podemos de qualquer
treinador. No fundo, todos eles têm coisas boas. Aprender é um acto de
inteligência, mostra que queremos evoluir. E eu felizmente tive grandes
treinadores. Van Gaal era um treinador que trabalhava muito bem no
campo. Ele preparava treinos fantásticos, quase sempre com bola, que
José Mourinho executava. Com eles, evolui muito tecnicamente. Tínhamos
treinos só de técnica – controlar a bola, passá-la, centrá-la,
rematá-la. Hoje, sou melhor jogador tecnicamente também graças a essa
aprendizagem no Barcelona.
Van
Gaal ajudou-me ainda a ter mais paciência. Eu era jovem, queria era
jogar, e tive de aprender a respirar fundo para não fazer asneiras e
para não refilar... Van Gaal também não deixava que refilássemos, era um
treinador muito disciplinado, e recordo por exemplo que nos obrigava a
treinar com as camisolas por dentro dos calções, como era imposto no
jogo.
No segundo ano, com
Serra Ferrer como treinador, já joguei com mais liberdade. Também já
estava mais adaptado, e o curioso é que Van Gaal sempre que podia ia ao
Camp Nou ver os jogos e fazia-me chegar a sua satisfação por ver como
tinha evoluído. Nada tenho, portanto, contra Van Gaal, nada, pelo
contrário. É preciso perceber que os treinadores só pedem o que acham
que é o melhor, primeiro, para a equipa e, depois, para cada um dos
jogadores. E é preciso evoluir a partir aí.
Primeiro ano difícil em Barcelona mas, pelos vistos, muito útil...
-
Sim, difícil, porque Figo e Rivaldo eram os titulares, e não joguei o
que gostaria de ter jogado. No segundo ano, já sem Figo, fui
praticamente titular com o treinador Serra Ferrer. E só não joguei na
parte final porque me lesionei e a troca de treinadores (Ferrer por
Resaxch) também não me beneficiou. Foi, aliás, também isso que me fez
decidir sair de Barcelona. Há pessoas que pensam que fui dispensado, mas
não. O Barcelona estava um pouco instável, tinha trocado de treinador,
tinha trocado também de presidente, e eu é que pedi para sair, porque
sentia que iria voltar a viver um período muito difícil.
E lá apareceu o Benfica...
-
Apareceu o Benfica mas também o Sporting, só que o Sporting acabou por
desistir, porque queria que o Barcelona me emprestasse e o Barcelona só
queria vender-me. Vim para o Benfica porque o Benfica era o único clube
que aceitava pagar o que o Barcelona pedia. Como profissional de
futebol, apesar do carinho especial que tinha e tenho pelo Sporting, não
podia deixar de aceitar o convite do Benfica. Houve pessoas ligadas ao
Sporting que pareceram não entender isso, mas não ia ficar sem jogar,
não é?...
A verdade é que
vim a passar seis anos fantásticos no Benfica, não ganhando o que queria
ganhar, eu e o clube, mas que me deixaram muitas, muitas saudades.
Continua a sofrer pelo Benfica?
-
Agora sofro de maneira diferente. Vejo os jogos sempre que posso, em
casa, faço as minhas críticas, como todos os adeptos [sorri], porque
agora sou um adepto e vibro e comento como tal, é normal [sorri]. Mas
tenho saudades, sim, tenho saudades de jogar no Estádio da Luz. Tocou-me
muito despedir-me do Benfica. Recordo que na sala de imprensa, quando
me despedi, chorei. Foram seis anos muito bons.
Balanço destes dois anos em Madrid: como foi a adaptação à vida espanhola?
-
Voltou a não ser fácil porque vivi sempre com a família durante os anos
em que estive no Benfica. Tinha as minhas rotinas. Estava habituado a
ir buscar a Mariana à escola, e o Martim, a levá-los, enfim, tudo aquilo
que um pai faz. Quando vim para Madrid optámos por dividir a família,
porque a Mariana começou na 1.ª classe. Tive algum azar até no timing da
saída para o estrangeiro, porque se a Mariana fosse mais nova não
haveria problema, tudo se adaptava mais facilmente.
Assim,
optámos por vir eu sozinho, e privilegiar a escola e o crescimento
sobretudo da Mariana, a sua educação e a relação com os eus amigos. Com o
Martim é diferente, porque o Martim só agora vai para a escola.
Felizmente,
correu tudo muito bem, a Mariana é uma óptima aluna, tem excelentes
notas, e acho que valeu a pena a dificuldade, para mim e para eles, da
distância. Mas não é fácil, realmente, estar longe deles, é um silêncio
enorme em casa para quem estava tão habituado a ter sempre crianças a
correr de um lado para o outro, a ter a família sempre junta.
Aos
poucos, com a competição, muitas vezes com dois jogos por semana, vamos
superando essa ausência. Além disso, eles vêm muitas vezes a Madrid,
quase sempre que jogamos em casa, de quinze em quinze dias, portanto,;
vêm sempre à sexta-feira e regressam no domingo a seguir ao jogo. É
cansativo para eles, mas eles gostam.
- Como é a relação da Mariana, a mais crescida, com o futebol e com a profissão do pai?
-
Tem a noção exacta de tudo. Fica orgulhosa quando pedem autógrafos ao
pai. O Martim não tem bem a noção do que o pai faz. A Mariana sim, e ao
mesmo tempo sente muito o afastamento do pai. Ainda no outro dia
perguntava porque tinha de partir outra vez para Madrid. Voltei a
explicar-lhe e ela saiu-se com esta: ‘Ah, era muito melhor quando
jogavas no Benfica’. Até me comovi.
E como é ela a ver os jogos? Gosta?
-
Gosta muito, fica super atenta e pergunta, ‘papá, caíste,
magoaste-te?’, pergunta tudo, porque perdemos, porque fiz assim ou
assado.. Gosta de estar a par de tudo, mostra muito interesse naquilo
que o pai faz e eu adoro explicar-lhe, porque todos esses momentos são
únicos. E tão depressa não esqueço ela ter dito que era muito melhor
quando estava no Benfica... Senti um aperto no coração quando a ouvi,
mas é a pensar no futuro deles que também aceitamos estes desafios.
Mas a sua vida aqui estabilizou; vive numa zona tranquila...
-
Sim, vivo mesmo ao lado do centro de treinos. Quando estava no Benfica,
tinha que acordar muito cedo; vivia em Cascais, tinha de ir para o
Seixal e demorava sensivelmente hora e meia. Aqui, até porque estou
sozinho, optei então por viver mesmo ao lado do trabalho, numa zona
tranquila. Poderia ter ido viver para Madrid, mas seria certamente mais
complicado. Aqui estou a cinco minutos do trabalho, é um luxo. Vivo num
apartamento, num condomínio fechado, porque já temos a nossa casa grande
em Lisboa e não fazia sentido ter outra moradia aqui estando sozinho.
Quando juntamos a família nunca é por muitos dias e, portanto, o
apartamento é suficiente para todos.
Gosta de viver em Espanha?
- Gosto, gosto. A adaptação à vida espanhola foi fácil.
E à comida?
-
Também. Come-se bem em Espanha e a comida não é muito diferente da
nossa. Gostam das entradas, gostam de picar o presunto, o queijo, os
enchidos, mas come-se muito bem. Não é que vá todos os dias ao
restaurante, porque não vou, aliás, como a maior parte dos dias em casa
porque tenho de cuidar da minha alimentação, mas há muitos bons
restaurantes.
Quem lhe faz a comida?
- Uma empregada. Mas às vezes faço eu ao jantar...
E gosta de cozinhar?
-
Desenrasco-me. Coisas que não sejam muito difíceis e que têm a ver com a
alimentação que preciso, massas, frango grelhado, sopa, saladas, arroz,
e, sim, gosto de o fazer. Não posso comer todos os dias queijos e
presuntos e essas coisas. Sempre me cuidei ao máximo. Alimentação e
descanso são fundamentais para um profissional de futebol. Por isso, no
dia a dia, almoço em casa e faço o que os espanhóis tanto gostam, a
sesta, que já fazia em Portugal. Sempre dormi depois do almoço, sempre
descansei. Há três coisas essenciais nesta profissão: treinarmos bem,
alimentarmo-nos bem e descansarmos bem. É tão importante treinar bem
como descansar bem.
Isso ajuda-o a não ter lesões...
-
No primeiro ano aqui, em Madrid, até tive algumas a que não estava
habituado, e sofri um bocadinho, sobretudo porque queria jogar rápido e
complicava a recuperação. Mas a época passada correu-me sem problemas,
tive apenas uma lesão, num jogo contra o Getafe, quando o Casquero caiu
em cima do meu joelho direito...
Casquero? Não foi com Casquero que Pepe teve aquela infeliz cena no final do campeonato?
- Sim, foi com ele.
Que comentário lhe sugere o que aconteceu?
-
Mandei uma mensagem a Pepe logo a seguir àquele jogo. Não quis
ligar-lhe porque acho que naquele momento não apetece falar com ninguém.
Fiz questão de lhe mandar uma mensagem a que ele me respondeu, uma
mensagem de apoio, a dar-lhe força. Até no meu balneário, quando os
jogadores me perguntavam como foi possível ele ter feito aquilo, fiz
questão de dizer que o Pepe é um extraordinário rapaz, um jovem muito
tranquilo, um jogador muito respeitador, que não cria confusões com
ninguém, super divertido. É muito difícil explicar o que aconteceu, mas
ele não é nada daquilo, nada agressivo, nada do que as imagens deixam
entender. Acredito que nem ele próprio conseguirá explicar o que lhe
passou pela cabeça.
Estava a ver o jogo na TV?
- Sim, estava a ver em directo.
Pensa que Pepe vai superar facilmente a situação?
-
Sim, sem dúvida. As pessoas adoram-no no Real Madrid, sabem do valor
dele, é um dos melhores centrais do campeonato espanhol, o clube pagou
muito dinheiro por ele mas as pessoas sabem o valor dele, e conhecem-no,
sabem que ele não é nada daquilo que a cena mostra. Rapidamente Pepe
conquistou as pessoas. É um jogador muito forte fisicamente, foi apoiado
pelos companheiros e pelo clube, e as pessoas praticamente já
esqueceram o que aconteceu. Pepe voltará a jogar ao seu melhor nível.
A sua adaptação ao futebol espanhol foi mais fácil ou difícil do que esperava?
-
Foi boa, ao futebol espanhol e ao clube. O Atlético de Madrid é um
clube grande em Espanha, e aqui é como se todos fossemos uma só família,
conhecemo-nos todos, jogadores, funcionários, directores, todos, e
estamos muito próximos. Os jogadores novos são muito bem recebidos,
muito acarinhados pelos mais velhos que já cá estavam, e isso é muito
importante, era o que fazíamos no Benfica. Saber receber os que chegam é
fundamental para o espírito do grupo, porque a adaptação de quem chega é
sempre um pouco mais difícil, aos métodos de trabalho, ao clube, a uma
nova cidade. Quanto mais rápido um novo jogador se adapta, mais rápido a
equipa beneficia dele.
Alguma figura foi particularmente importante nos seus primeiros tempos?
-
Todos. Mas no início estive muito junto do Costinha, ele fazia questão
de me dar a conhecer tudo e convidava-me para almoçar. E fomos
companheiros de quarto.Mas
fiz logo grandes amizades, com Fórlan, por exemplo, que é agora o meu
companheiro de quarto, mas tenho uma excelente relação com todos, falo
do Costinha porque é português e foi quem me abriu as portas, e no
Fórlan porque é agora o meu companheiro de quarto. Mas não quero ser
injusto com ninguém. E julgo que todos gostam de mim.
Fórlan deixa ou não o Atlético?
-
Tenho falado com ele sobre isso mas ele não sabe de nada. Por agora, só
sabe o que dizem os jornais. Para já mantém-se. Mas tudo pode
acontecer, porque ele é um jogador fantástico, que finaliza muito bem, e
um jogador destes é cada vez é mais difícil de encontrar, e é normal
que desperte o interesse de outros clubes, pela temporada que fez e por
ter sido o melhor marcador do campeonato. Desde o princípio que disse
que ele seria o melhor marcador. A dada altura, teve uma lesão muscular e
perdeu confiança, mas disse-lhe sempre ‘está tranquilo que vais ser o
melhor marcador’. Não foi por isso, claro, mas julgo que é importante
essa motivação dada pelos companheiros.
Por
um lado, espero evidentemente que ele não saia porque é muito
importante para nós, um jogador como Fórlan tem de ficar no Atlético e
com ele seremos muito mais fortes. Por outro, claro que ficarei feliz se
ele melhorar as suas condições noutro clube.
Satisfeito com o seu rendimento até agora?
-
Nesta segunda época, sim, claro que podemos dar sempre mais, mas neste
segundo ano fui já o Simão que era no Benfica. Marquei menos golos, é
certo, marquei dez golos, mas também jogo agora numa posição diferente e
sobretudo com funções um bocadinho diferentes. No Benfica, com Fernando
Santos, tinha muita liberdade, jogávamos com o losango e eu por trás
dos dois avançados, e às vezes até mesmo a avançado, numa posição que
também gosto. Aqui estou mais encostado à linha, a pensar mais na
equipa, ataco mas também defendo muito mais. Só jogamos com dois
jogadores no meio-campo, tipo 4x2x4, e na hora de defender tenho de
fechar por dentro, não posso ficar na frente a descansar ou a vir para
trás a andar. Tenho de estar sempre em movimento e sempre disposto a
atacar e a defender. Também gosto de o fazer, já estou habituado e
sinto-me bem. E no final de cada jogo gosto de saber quantos quilómetros
corri, quantas bolas recuoeri, enfim... Evolui e tornei-me um jogador
tacticamente mais completo.
E quantos quilómetros corre em média por jogo?
-
Entre 11 e 12 quilómetros. É muito para um jogador com as minhas
características, na minha posição, como extremo. Só faço esses
quilómetros porque tenho de ajudar muito a defender, e é verdade que por
vezes sinto que me falta alguma frescura para atacar, mas já estou
habituado a esta forma de jogar e tento melhorar o rendimento.
Como é a sua relação com outros jogadores portugueses em Espanha?
-
Com Pepe falo muito, sobretudo ao telefone, claro, ou por mensagem,
constantemente. Contacto também com o Duda, do Málaga, com o Zé Castro,
que está agora na Corunha, mas com quem estive no Atlético um ano, com o
Nelson, do Bétis, meu ex companheiro no Benfica, um jovem jogador que
precisa de apoio, de uma voz que o ajude, que no Benfica teve momentos
muito bons mas no Bétis vive a infelicidade de ter descido de divisão. E
falo com o Miguel, que além de companheiro no Benfica e na selecção, é
um amigo, e um grande jogador. Com
ele é preciso ter muito cuidado porque é um jogador que gosta de
atacar, e é um excelente lateral, muito difícil quando está em forma.
Quando nos defrontamos, brinco e digo-lhe ‘não ataques, cuidado, porque
depois vais ter que defender, vê lá...’, somos amigos e com ele como
adversário nunca tive o menor problema dentro do campo, além,
evidentemente, das dificuldades de o ultrapassar.
Mesmo com mais dois anos e contrato com o Atlético, passa-lhe pela cabeça voltar ao Benfica?
-
Claro que passa, mentiria se dissesse que não. Mas tenho mais dois anos
de contrato e não quero voltar ao Benfica para acabar a carreira.
Gostava de regressar para ser uma mais valia, e se tiver de acabar a
carreira no Benfica acabo mas só depois de voltar a jogar com total
condição, sendo mais valia para a equipa. De contrário, não. Vou fazer
30 anos mas tenho ainda mais seis/sete anos a bom nível. E nunca
voltarei ao Benfica a pensar na reforma.
Quatro/cinco anos no estrangeiro são suficientes para si?
-
Acho que sim. Já ouvi alguns rumores sobre o Atlético querer renovar
contrato comigo, mas até hoje ninguém falou e nada, são apenas rumores
que se ouvem aqui ou ali.. Tenho mais dois anos de contrato, estou
feliz, nunca escondi que gostaria de um dia jogar em Inglaterra, e se
vier a renovar pelo Atlético acredito que isso já não venha a suceder.
Mas nunca se sabe. E reafirmo que gostaria também de voltar ao Benfica.
Veremos.
...
-
Quando saí do Sporting cometi um erro enorme, e dai muitos
sportinguistas não gostarem hoje tanto de mim, ao afirmar que em
Portugal só jogaria no Sporting. Disse-o por ser jovem, por falta de
experiência, por imaturidade, e hoje concluo que a vida não é assim, e
um profissional de futebol não sabe realmente o dia de amanhã. Mas ao
fim de todos estes anos, posso dizer que em Portugal o clube que eu
gostaria de voltar a representar era realmente o Benfica.Continuo
a ter um carinho especial pelo Sporting, e por muitas pessoas do clube,
pelo senhor Aurélio Pereira, pelo senhor Mário Lino, pelo senhor Carlos
Pereira, que foi meu treinador nos juniores, pelo Rui Palhares, que já
lá não está, mas muitas pessoas não sabem o que sofri quando fui para o
Benfica - ameaças, perseguições de carros, enfim, muita coisa que me fez
ficar triste. Sei que essas pessoas não são o Sporting, e felizmente
hoje posso passear em Lisboa à vontade, e as generalidade das pessoas do
Sporting respeita-me. Tenho pessoas na minha família que são do
Sporting, não tenho qualquer problema com o Sporting, agradeço sempre a
formação que o clube me proporcionou, mas julgo que sai a bem do clube e
dei-lhe também muito dinheiro a ganhar quando fui para Barcelona. Claro
que para algumas pessoas, ter regressado para o clube rival foi mau,
mas a verdade é que se hoje não estou no Sporting não é por culpa minha.
Os responsáveis do Sporting assumiram mesmo publicamente que eu era
muito caro. Ainda hoje corre no tribunal um processo que o Sporting me
colocou por causa dessa ida para o Benfica mas tudo se resolverá.
Porquê? Porque o Sporting tinha o direito de optar pela sua contratação?
-
Tinha, mas lembro que só assinei pelo Benfica depois de passada a data
limite de o Sporting poder exercer essa opção. Fiquei à espera do
Sporting, tive reuniões com pessoas do Sporting, cujos nomes não revelo
por que iria deixá-las numa má situação, falei sempre com o Sporting até
os seus responsáveis assumirem que a minha contratação custava muito
dinheiro. Como todos os profissionais, tenho de pensar na minha carreira
e na minha família.
Já agora, porque não foi para o Liverpool em 2005?
-
Porque o presidente Luís Filipe Vieira não quis. Por momentos, chegou a
parecer que o acordo entre os dois clubes estava feito mas em poucos
minutos tudo se desfez.
É verdade que chegou a estar dentro de um avião para partir?
-
Não, dentro do avião não estive. Mas estive à porta do aeroporto,
dentro de um carro, à espera. Lembro-me que estava num estágio da
Selecção, mister Scolari deu autorização para sair porque era o último
dia de inscrições e se fosse para o Liverpool tinha de viajar, fazer
exames médicos, assinar e ser registado o contrato até ao final da tarde
desse dia. Mas o presidente do Benfica acabou por não autorizar a minha
ida.
E porque não foi para o Valência no ano seguinte?
-
Nesse caso foi porque eu não cheguei a acordo com o clube. Só isso.
Viajámos para lá, o presidente do Benfica fez o acordo mas eu não. E
voltámos para Lisboa.
Esteve seis anos no Benfica, conhece bem a realidade do clube. Apesar
de tantos investimentos, o que lhe parece, porque não tem o Benfica
conseguido conquistar mais títulos nos últimos anos?
-
Não é fácil falar. Fui capitão, tenho lá muitos amigos, muitas raízes.
Não é fácil e não quero ser mal interpretado. No futebol é preciso medir
bem as palavras que vamos dizer e por vezes somos criticados por sermos
sinceros. Mas acho que o Benfica tem de criar a sua estabilidade, criar
novamente uma base de jogadores onde assente essa estabilidade. É
preciso dizer que o presidente Luís Filipe Vieira fez um grande trabalho
no Benfica, fez o centro de estágio, que era essencial, deu
credibilidade ao clube, em Portugal e no mundo, e todos sabemos como o
Benfica estava e como tem hoje condições fantásticas, do melhor que há. Mas
os adeptos não ficam satisfeitos só com isso, os adeptos querem
títulos. Também estive lá alguns anos sem ganhar nada, e depois
conquistámos um campeonato, uma taça e uma supertaça, e no meu entender
acho que também foi pouco. O Benfica tem pois de criar estabilidade para
fazer frente ao FC Porto, que há muito tem no essencial uma estrutura
estável. Espero que rapidamente o Benfica o consiga e tenho a certeza
que o presidente vai continuar a fazer tudo para dar essa estabilidade
ao clube. É preciso criar nova estrutura de jogadores importantes,
mantê-la e ir depois retocando. A época passada só lá estavam três ou
quatro jogadores do meu tempo.
Vive-se uma pressão diferente no Benfica?
-
No Benfica a pressão é muito maior do que na maioria dos clubes, o
Benfica é um clube muito emocional, é o clube que vende, é o clube de
que todos falam, adeptos ou adversários. Num certo sentido, comparo
muito o Benfica ao Atlético de Madrid, onde se passa facilmente do 80
poara o 8 e vice-versa. Fazemos um jogo muito bom e logo vamos ser
campeões, fazemos um mau e já ninguém presta. No Benfica, há pressão de
todo o lado, até da própria imprensa. As capas dos jornais não são quase
sempre sobre o Benfica?
Como é jogar no Estádio da Luz?
- Fantástico. Absolutamente fantástico, aquele estádio cheio é qualquer coisa...
Vem aí o seu regresso ao estádio do Benfica e será a primeira vez que lá joga com outra camisola. Como vai ser?
-
Ainda nem pensei muito nisso. E é melhor nem pensar. Verei no momento o
que vou sentir. Acredito que serei bem recebido, por tudo aquilo que
fiz no Benfica. Julgo que as pessoas gostam de mim e não ficaram
chateadas pela minha decisão de sair, porque sabem que o fiz a pensar no
futuro da minha família. Mas só quando entrar na Luz saberei como vou
sentir-me.
Como é a sua relação com os adeptos do Benfica?
- Muito boa. Sempre que posso vou lá ver jogos. Começam a cantar e pedem-me para regressar.
Que jogos viu na Luz mais recentemente?
- Fui ver o Benfica-Sporting da época passada, no qual o Reyes marcou um golo.
Qual a melhor recordação que tem da Luz?
-
Quando fomos campeões e chegámos a Lisboa, para festejar com os
adeptos, e encontrámos o estádio cheio Uma loucura inesquecível. Todo
aquele dia fio especial. O Benfica é um clube fantástico, e quando ganha
os adeptos são imparáveis.
Há quem defenda que um título ao Benfica já não chega...
-
Compreendo. Quando ganhámos em 2005 também pensámos que no ano seguinte
seríamos de novo campeões. E voltamos à questão: em tudo é preciso
estabilidade, até no treinador. Fomos campeões com Trapattoni mas logo
ele saiu. Depois veio o Koeman e tudo recomeçou, a adaptação ao
treinador, adaptação do treinador aos jogadores e ao clube, depois o
novo treinador quer contratar outros jogadores... Enfim. É preciso dar
tempo. Os treinadores por vezes não têm esse tempo. Sabemos que é mais
fácil despedir o treinador do que a equipa. Mas o Benfica precisa de
manter um treinador, de encontrar a pessoa certa, e dar tempo. Espero
que seja Jorge Jesus, que conhece o Benfica e a história do Benfica, e
conhece bem o futebol português. Não quer dizer que um treinador
estrangeiro não possa ter sucesso, Trapattoni teve sucesso, mas um
estrangeiro normalmente precisa de mais tempo. Com Jorge Jesus, acredito
que o Benfica possa começar a encontrar o caminho.
É sócio do Benfica?
- Sou sócio e tenho dois lugares no estádio.
E os seus filhos?
-
Não são, mas vou fazê-los sócios. Eles não têm de ser do Benfica ou do
Sporting porque o pai é, devem sê-lo por gostarem de um clube, e eles
gostam do Benfica, eles é que decidem. Por isso vão ser sócios. Além
disso, quando for presidente vou precisar dos votos deles...
[gargalhada] Estou a brincar, mas nunca se sabe... Os dois lugares no
estádio estão em meu nome mas obviamente são da Mariana e do Martim.
Foi só a brincar ou admite ser alguma coisa no Benfica que não jogador de futebol?
- Neste momento não penso nada disso.
Mas admite ou não?
-
Gostaria... mas não penso nisso. Quero continuar a jogar futebol ao
mais alto nível, sem lesões, e poder um dia regressar como jogador ao
Benfica, nas minhas melhores condições. E depois, como se costuma dizer,
o futuro a Deus pertence mas com o nosso trabalho.
O Benfica volta a reforçar-se bastante. Pode discutir o título esta época?
-
Vou torcer por isso. O Benfica como grande clube que é tem de lutar
sempre pelo título. E acredito que encontre melhores condições para o
fazer esta temporada. Por ser o campeão, o FC Porto parte com alguma
vantagem. Mas é um recomeço e todos estão a zero. Sporting, Benfica, FC
Porto, sobretudo, estão sempre na luta, mas atenção a Braga e agora
Nacional da Madeira, são equipas que aproveitarão um deslize dos
grandes.
Já pensou como vai ser marcar um golo, agora, na Luz?
-
Já comecei a receber mensagens de amigos a pedirem-me, a brincar, ‘por
favor não marques ao Benfica’... Como profissional, claro que se tiver
oportunidade tentarei marcar. Mas ainda bem que é um jogo amigável, em
que nada está em jogo, e acredito que se marcar os benfiquistas não vão
ficar chateados. Não festejarei, isso de certeza. Espero que seja uma
grande festa para todos. Para mim vai ser de certeza porque é o meu
regresso ao Estádio da Luz. Mas vou tentar ser eu mesmo.
In: A Bola